quarta-feira, 20 de maio de 2009

Tortura Musical


Por Fausto Wolff

Um esquema de dominação não nasce do dia para a noite. É preparado em seus mínimos detalhes. Custa tempo e dinheiro. Pode ser que em 1964, se os cabos anselmos não houvessem exigido tanto de Jango, ocorressem eleições em outubro e JK fosse eleito.

Tio Sam, porém, tinha outros planos e fez a classe média acreditar que Stalin ressuscitaria no Brasil. Hoje isso parece risível, pois, em plena "democracia", os dois PCs atuantes apóiam neoliberais como Luis e Geraldo.
Na época, porém, quem tinha um dente de ouro achava que seria fuzilado. Chegara a era dos generais, a fim de que os EUA pudessem desenvolver com calma seus planos de expansão. O resto é História de sujeira e sangue. Muitos, porém, queriam liberdade; queriam, como dizia Chico Buarque, parar de falar de lado e olhar para o chão.
Quando os generais passaram a ser um trambolho, os americanos resolveram nos conceder a democracia indireta. Depois tivemos aquela vergonhosa anistia de fio duplo e, por fim, as eleições indiretas, que acabaram sendo vencidas pelos médicos do Hospital de Base de Brasília.
Os militares haviam se metido em tudo. Pornochanchada no cinema, besteirol no teatro e novela na TV. Eventualmente, alguma música de protesto. O carnaval virou show para turistas como é até hoje, pois o protagonista - o povo - assiste pela TV.
Essa política cultural imposta pelas grandes gravadoras e pelas grandes distribuidoras de filmes se manteve e se firmou sem maiores reações da mídia ou das massas. O próximo passo seria o surgimento da religião neoliberal instaurada por Reagan e Thatcher e posta em execução, por aqui, por FHC, que abusou literalmente da democracia vacilante e do torpor da maioria despolitizada.
Deteriorou a educação, a ciência e a cultura a ponto de as novelas substituírem a vida e a ignorância da classe média procurar refúgio em Paulo Coelho. Quando você tem um povo desesperado que acha que é prêmio ganhar pouco mais que um salário-mínimo, é fácil implantar qualquer ditadura. Como não existe crime perfeito, o neoliberalismo cometeu um grande erro. O desespero levou muita gente ao crime.
O que os sacerdotes da nova seita não esperavam é que junto com o crime surgisse a teoria do crime. Boa parte da garotada favelada não quer o emprego humilhante que o mercado oferece. Já nasce para o crime. E depois de décadas de necessidade envergonhada, não dá valor à vida humana. Mata-se mais no Rio e em São Paulo do que no Líbano.
Disse que a política imiscuiu-se em todas as artes para degradá-las e ganhar mais dinheiro. Vou usar somente a música como exemplo de como é fácil boçalizar um povo.
1930: A lua vem surgindo cor de prata, do alto da montanha verdejante, a lira do cantor em serenata reclama na janela a sua amante. 1940: A deusa da minha rua tem os olhos onde a lua costuma se embriagar; em seus olhos eu suponho que o sol num dourado sonho vai claridade buscar. 1950: A minha felicidade está sonhando nos olhos da minha namorada, é como esta noite passando, passando em busca da madrugada... 1960: Estava à toa na vida, o meu amor me chamou pra ver a banda passar, cantando coisas de amor. 1970: Bandeira branca, amor, não posso mais, pela saudade que me dói, eu peço paz. 1980: Azar, a esperança equilibrista, sabe que o show de todo artista deve continuar. E então:
1990: Bota a mão no joelho e dá uma baixadinha, vai mexendo gostoso, balançando a bundinha. 2001: Tchuchuca, vem aqui com teu tigrão. Vou te jogar na cama. Vou te dar muita pressão. 2002: Abre as pernas, faz beicinho, vou morder o teu gr...inho. Vai, Serginho, vai, Serginho. Abre a boca e se espanta, vou botar na tua garganta. 2003: Vou mandando um beijinho pra filhinha e pra vovó, pois não posso esquecer minha eguinha pocotó. 2005: Tô ficando atoladinha, foguetinha, piriri, piriri, piriri, alguém ligou pra mim? 2006: E eis o último grande sucesso das paradas este ano: Vai de tapinha na bundinha, vai que sou sua cachorrinha, vai que tô muito assanhada, vamos dá uma lapadinha, só se for na rachadinha.
Eis aí o que fizeram com nosso povo e ainda querem que ele vote direito, depois de tanta tortura.
JB, 20 de julho de 2008.